terça-feira, 23 de dezembro de 2014

A Terceira Turma da Senhorita Kaye, por Angela Brazil: Capítulo III

A TERCEIRA TURMA

A Mansão Heathercliffe era um grande edifício moderno que se situou em suas próprias terras, cerca de um quilômetro do mar e a igual distância a partir da estação ferroviária de Aberglyn. Parecia brilhante e alegre na tarde de outubro, quando um táxi trazendo a Senhora Lindsay e Sylvia passou pelo portão e dirigiu-se lentamente pelo passeio até a porta da frente. Sylvia, olhando com olhos ávidos da janela, notou a poda do jardim, os arbustos de louros e rododendros, os canteiros com gerânios e os gramados suaves, onde à distância que ela podia apenas ter um vislumbre de meninas jogando tênis. Enquanto o táxi passava debaixo um grande castanheiro, ela viu uma menina mais ou menos de sua idade a correr rapidamente para cima de um banco e, escondendo-se atrás de uma vassoura, espreitar com curiosidade os recém-chegados. Era uma criança bonita com uma aparência sedosa, olhos azuis e cabelo castanho, grosso e liso, amarrado com uma fita que, naquele momento pairava sobre sua orelha esquerda. Ela olhou fixamente para Sylvia quando esta se inclinou para fora da janela; depois, vendo a Senhora Lindsay ao fundo, ela se assustou e saiu correndo entre os arbustos ainda mais rapidamente do que ela tinha vindo.
“Eu queria saber seu nome e se eu devo gostar dela!” pensou Sylvia.
“Ela parece simpática. Oh! Há mais delas!”, disse quando cerca de meia dúzia de meninas mais velhas pararam um jogo de croqué [2] para olhar para o carro, e várias pequeninas, que jogavam a sombra de uma árvore, apontaram ansiosamente, sendo evidentemente repreendidas por uma professora que estava com eles. Não houve tempo, porém, para ver mais longe; o táxi chegara aos degraus da porta da frente, o taxista estava tocando a campainha e a Senhora Lindsay estava pegando os pacotes menores e dizendo a Sylvia que saltasse primeiro. Sylvia sentiu a severidade do momento quando elas foram levadas para a sala de visitas e a Senhorita Kaye foi ao seu encontro. Ela era uma senhora alta, de aparência agradável senhora, ainda bastante jovem, com uma cor fresca, olhos castanhos e grossos cachos de cabelo castanho suave. Ela tinha modos alegres e em nada indicava ser uma diretora antiquada como aquela de quem Sylvia tinha lido em O Que Katy Fez Na Escola e Sara Crewe, contrariando, portanto, as suas expectativas. Ela saudou sua nova pupila gentilmente e pediu para o chá ser trazido imediatamente.
“O nosso chá na sala de aula habitual é às cinco horas”, disse ela, “mas hoje você terá o seu aqui como eu sei que você vai querer ficar com a sua mãe o maior tempo possível. Então, quando você conhecer seu quarto e guardado suas coisas, você estará pronto para fazer amizade com algumas de suas companheiras”.
Sylvia comportou-se muito solenemente durante o chá, ouvindo a conversa entre a Senhorita Kaye e sua mãe e quando a diretora ocasionalmente lhe dirigia uma pergunta ela reagia timidamente, nada mais respondendo além de “Sim” ou “Não”. Alegrou-se quando o longo calvário terminou e a Senhorita Kaye sugeriu que, como a Senhora Lindsay tinha apenas um curto período de tempo antes que ter que voltar à estação de trem, que fossem conhecer as salas de aula e os dormitórios.
Quando ela tentou mais tarde recordar as suas primeiras impressões da Mansão Heathercliffe, ela tinha apenas uma lembrança confusa de se apegar muito, quase que desesperadamente, a sua mãe, enquanto eram mostrados os quartos arrumados, a grande sala de jogos vazia, as salas de aula com suas mesas e quadros negros, e a sala de jantar, onde fileiras de meninas de todas as idades estavam sentados em volta de duas mesas longas, tomando chá. Em seguida, veio o momento que ela estava temendo desde o início, o último adeus, aquele abraço final quando a Senhora Lindsay a beijou de novo e de novo e apressou-se a descer os degraus para dentro do taxi, o ruído das rodas partindo e a súbita sensação de que ela fora deixada sozinha em uma escola com mais de trinta meninas, que ela ainda não conhecia nenhuma delas pelo nome. Uma sensação esmagadora de saudade tomou conta dela, tão amarga em sua força que ela quase gritou com a intensidade da dor; ela ainda estava na sala com a expressão aturdida de um recém-acordado de um sonho, não dando ouvidos aos esforços bem intencionados da Senhorita Kaye em consolá-la e desejando apenas algum refúgio seguro onde poderia fugir para poder chorar privadamente, fora do alcance dos olhos das pessoas. Vendo a diretora desviar sua atenção para falar com uma professora que veio naquele instante a partir da sala de jantar, ela aproveitou a oportunidade e mergulhou na sala de visitas, onde ela correu para a janela para pegar o último vislumbre do chapéu do cocheiro enquanto ele atravessava o portão e desaparecia por trás das árvores e arbustos que beiravam a estrada. Senhorita Kaye não a seguiu; talvez sua longa experiência lhe ensinara que às vezes era melhor deixar meninas novas criteriosamente sozinhas. Por alguns minutos, Sylvia brincou distraidamente com o pendão da cortina, lutando arduamente para manter as lágrimas em seus olhos. Por que ela tinha sido trazida para a escola? Por que ela não implorou a sua mãe para levá-la para casa com ela? Foi cruel em mandá-la embora. Era tudo coisa da Tia Louise, ela tinha certeza. Ela nunca poderia ser feliz. Ela escreveria esta noite a seu pai para lhe dizer isso. Talvez ele cedesse e viesse buscá-la.
“Eu vou ser a menina mais miserável na escola”, disse ela para si mesma. “Muito pior do que Florence no A Nova Aluna, ela apenas “derramava algumas lágrimas” e eu vou chorar litros, eu sei que eu vou”.
Ela tirou o lenço pronta para o esperado dilúvio, mas a vida é muito diferente do que podemos supor e antes que ela tivesse tempo de fazer mais do que enxugar a primeira gota escaldante, ela foi surpreendida por uma voz ao seu lado. Voltando-se às pressas, ela encontrou-se cara a cara com a menina que tinha corrido para o topo do banco para espiar enquanto ela chegava e que agora estava sorrindo de uma forma particularmente amigável.
“Senhorita Kaye enviou-me para levá-la para a sala de jogos”, disse ela. “Acabamos de tomar chá. Tomou o seu, não tomou? Então venha”.
“Qual o seu nome?” Sylvia perguntou, enfiando o lenço de volta no bolso com pressa e piscando os restos de uma gota para que saísse de seus cílios. Ela era orgulhosa demais para se deixar ser pega chorando como um bebê e esperava que sua companhia nada tivesse notado.
“Linda Marshall. Sei que o seu. Senhorita Kaye nos disse esta manhã. Vai ser na nossa classe e você dormirá no meu quarto porque eu sou a única que não tem uma colega de quarto. Venha! A Senhorita Kaye vai ficar contrariada se não formos rápidas. Nós não estamos autorizadas a ficar na sala de estar, só que ela me mandou buscá-la”.
“Você gosta de estar aqui?” perguntou Sylvia, seguindo sua nova amiga com alguma deliberação.
“Xiiiu! Nós não podemos falar no salão. Lá, eu poderei falar com você. Agora nós estamos no corredor. Sim, claro, eu gosto. Todo mundo gosta; temos momentos muito agradáveis. Agora venha aqui”. E continuou parando com a mão na maçaneta da porta: “Eu quero ir de repente e surpreendê-las”.
Ela abriu a porta e com uma risadinha, anunciou “Senhorita Sylvia Lindsay”, dando a nossa heroína como um empurrão para frente tão vigoroso que ela quase caiu no meio de um grupo de meninas que estavam por perto. Havia seis delas e elas evidentemente estavam esperando para ver a recém-chegada, embora tenham fingido que só procuravam alguns livros e guardavam suas caixas de tintas.
Elas olharam fixamente para Sylvia, mas ninguém ofereceu uma observação, e o silêncio teria crescido opressor não tivesse Linda vindo para o resgate, dizendo: “Agora, então,” ela gritou, “vocês todas ficaram mudas? Sylvia, esta é a nossa classe. Vou lhe dizer seus nomes: Connie Camden, Hazel Prestbury, Marian e Gwennie Woodhouse, Nina Forster e Jessie Ellis. Éramos apenas sete antes e com você seremos oito alunas. É um número muito mais agradável porque poderemos formar uma quadrilha [3] nós mesmas, sem ter que recrutar alguma menina da segunda turma. Espero que você conheça quadrilha”.
“Um pouco”, disse Sylvia, que sentiu sobrecarregada por seis pares de olhos fixos nela.
“Nós vamos lhe ensinar em breve, se você não souber. As aulas de dança começam na próxima semana e eles são tão divertidas. A Senhorita Delaney é uma graça. Todas nós a adoramos; eu tenho certeza que você achará ela um doce, não vai meninas?”
“É claro que ela vai”, disse Marian Woodhouse. “Eu deveria saber, porque eu aprendi com a Senhorita Delaney antes de vir para cá. Vamos aprender a tarantela este semestre”.
“E uma dança rodada,” acrescentou Hazel Prestbury. “Você trouxe um vestido de prega sanfonada para dançar?”
“Eu acho que não”, respondeu Sylvia. “Mas minha mãe vai me enviar algumas das minhas roupas depois. Saí com pressa”.
“Você está atrasada mesmo”, disse Connie Camden. “Foram quase três semanas desde que começamos o semestre. Voltamos no dia 14 de setembro”.
“Por que você não veio antes?” perguntou Nina Forster.
“Eu não sei. Papai só decidiu enviar-me há uma semana”.
“Bem, você pode tentar nos alcançar, mas já fizemos vinte páginas da nova história”, disse Marian Woodhouse, “e lemos o primeiro canto do Marmion [4]. Vamos ter de contar a história”.
“Eu conheço a história, obrigada”, respondeu Sylvia. “Eu aprendi com minha governanta em casa”.
“Oh!” disse Marian, olhando um pouco enojada. “Mas eu acho que você não tomou nota alguma, e Senhorita Arkwright explica de forma bastante diferente de qualquer outra pessoa. Em que operações você está?”
“Pesos e medidas”, disse Sylvia.
“Ora, aprendemos isso em nossa classe como bebês! Estamos fazendo frações agora”.
“Nós apenas começamos”, consertou Linda. “Não se preocupe com as lições, Marian. Temos apenas dez minutos antes da preparação, e eu quero mostrar a Sylvia seu armário”.
As seis crianças que, com Linda e Sylvia, compunham a Terceira Turma da Senhorita Kaye tinham mais ou menos a mesma idade. Hazel Prestbury era a mais velha; uma garota alta de doze anos, com feições regulares e uma quantidade de bonitos cabelos claros que iam até abaixo de sua cintura, dois quais que ela era extremamente orgulhosa. Ela podia ser bastante inteligente quando se esforçava, mas como isso não acontecia muitas vezes, ela raramente se destacava, apesar de ser bem avançada em música e de jogar melhor do que muitas meninas de treze e catorze anos. Marian Woodhouse era apenas uma polegada mais baixa e tinha uma boa aparência, com cabelo ruivo encaracolado, entrançado numa trança grossa. Até aquele ponto, ela era, facilmente, a primeira da classe, pois era brilhante e boa adivinhadora de tal forma que muitas vezes ela fez a Senhorita Arkwright achar que ela sabia mais do que era realmente o caso. Gostava de mandar em outras pessoas, para assumir a liderança e manter todo mundo em ordem, e era mais a favorita dos professores do que com as suas companheiras. Não poderia haver contraste maior para ela do que sua irmã Gwennie, um docinho de uma menina, tão gentil, tranquila e despretensiosa que ela quase nunca parecia ter uma opinião própria, sempre seguindo Marian cegamente, a quem ela considerava a pessoa mais inteligente do mundo. As meninas eram muitas vezes chamadas de o par “Voz e Eco”, porque a pobre Gwennie fielmente mantinha tudo o que sua irmã mais velha dizia, não importa se fosse certo ou errado. Connie Camden era a mais alegre e brincalhona que se pode imaginar. Ela não era nada bonita e usava seu cabelo castanho desbotado cortado como de um menino, mas ela tinha olhos cinzentos francos e embora ela continuamente se metesse em confusões, suas maneiras simples e honestas compensavam em muito o que lhe faltava em outros respeitos. Ela vinha de uma de uma grande família e tinha três irmãs na escola, todas com a mesma reputação de muitas piadas e alto astral. Nina Forster, uma graciosa criança de aparência delicada contando dez anos de idade, com uma boca fraca e queixo indeciso, geralmente, se perdia em adoração de suas favoritas entre as meninas maiores. Suas amizades eram breves, mas muito intensas enquanto duravam. Ela parecia capaz de mudar o seu afeto tão facilmente de um objeto para outro que ela tinha um ídolo diferente a cada semana. Jessie Ellis, cujo rosto sardento a fazia quase bonita quando sorria, havia sido colocado na Terceira Turma apenas porque ela era grande demais para permanecer por mais tempo no jardim de infância. Ela ficava aborrecida em aulas, tinha uma memória fraca e falta de qualquer capacidade de captar um assunto; ela era o desespero da Senhorita Arkwright, e sentava-se placidamente ao fundo da sala de aula com a mesma regularidade que Marian Woodhouse ocupava a frente.
Sylvia foi dispensada de preparação nesta primeira noite, a qual foi feita por Senhorita Coleman que desfez suas malas e organizou suas gavetas.
A Mansão Heathercliffe havia sido construída especialmente para a escola e fora concebida de forma que, em vez de dormitórios longos ou cubículos com cortinas, houvesse fileiras de pequenos quartos, cada um destinado a acomodar duas meninas. Aquele que Sylvia iria compartilhar com Linda Marshall localizava-se no final do corredor superior. Era uma sala bonita com um papel rosa e uma lareira branca esmaltada. O mobiliário também era em esmalte branco e consistia de um lavatório, duas cómodas e um grande armário fixo na parede, contendo dois compartimentos separados com uma gaveta para os melhores chapéus na parte inferior de cada um. As camas tinham colchas rosa para combinar com o papel de parede, as jarras e bacias eram brancas com bordas cor de rosa e que mesmo as esteiras sobre a penteadeira eram feitas de musselina branca sobre chita rosa.
Sylvia olhou em volta com aprovação. Ela esperava que a escola fosse um lugar triste e despojado, mas o dormitório era tão delicado como o seu próprio quarto em casa. As paredes foram decoradas com fotos em molduras de carvalho, havia uma pequena estante ao lado de cada cama, onde Bíblias e livros favoritos poderiam ser mantidos. A lareira estava coberta com pequenos gatos, cães e outros animais de porcelana, peças que a Senhorita Coleman disse que pertenciam a Linda.
Demorou algum tempo para organizar as posses de Sylvia, pois a arrumadeira era muito particular a respeito de onde cada item deveria ser colocado, informando Sylvia que ela deveria mantê-los exatamente na ordem que deixara e que suas gavetas seriam examinadas uma vez por semana.
“Pendure seu roupão atrás da porta. Há um gancho aqui para a sua toalha de banho que, a propósito, você nunca deixar na sala de banho; sua esponja deve ficar na cesta para esponjas do lado esquerdo e seus chinelos devem ficar debaixo desta cadeira. Seus casacos devem, é claro, estar sempre no guarda-roupa, mas suas botas descerão. Você pode colocar seu estojo de correspondência e sua caixa de tintas sobre a cômoda ou mantê-los em seu armário na sala de jogos”.
“Eu estou feliz que eu trouxe uma caixa de camisola”, pensou Sylvia; “Parece muito melhor na cama rosa do que o modelo azul que mãe quase colocou em minha mala. Quando eu colocar minhas fotos, isso vai parecer mais familiar. Vou escrever a Mamãe amanhã e dizer-lhe tudo sobre meu dormitório”.
Quando finalmente tudo tinha sido arrumado no seu devido lugar e uma empregada tinha levado a caixa vazia para o depósito, a Senhorita Coleman levou Sylvia a sala de jogos e, dando-lhe um livro, disse-lhe que ela poderia ler até que suas companheiras chegassem.
As meninas da Terceira Turma praticavam até às sete horas, após o que eram autorizadas a passarem meia hora de recreação até a ceia. Elas tinham a sala de jogos para si mesmos, uma vez que as pequeninas já tinham ido para a cama a essa hora e as meninas mais velhas tinham uma sala de estar separada. Justamente quando o relógio bateu sete, Linda Marshall, Hazel Prestbury, Connie Camden, e Nina Forster vieram correndo.
“Eu achei que a encontraríamos aqui”, gritou Linda. “Nós estávamos em seção de estudos, mas eu não sei quase nada da minha história. Você sabe Hazel?”
“Nem um pedaço. A Senhorita Arkwright vai nos repreender amanhã. É terrivelmente difícil. Eu não acredito que alguém vá sabê-la corretamente”.
“Exceto por Marian”, disse Nina.
“Oh, sim, Marian! Ela vai acertar de alguma forma. Ela sempre faz. Olha aqui, Sylvia! Se você é inteligente, eu gostaria de ver você derrubar Marian Woodhouse. Estamos muito cansadas de vê-la sempre na dianteira”.
“Ela é tão vaidosa por isso”, disse Connie Camden.
“Ela acha que ninguém mais pode fazer nada além dela mesma”, disse Nina Forster.
“Sim, tente, Sylvia”, disse Linda; “seria lindo se você ganhasse dela. Isso até faria bem para ela”.
“Oh, ganhe dela!” pleitearam as outras.
“Por que vocês não tentam vocês mesmas?” perguntou Sylvia.
“Oh, não podemos, não adianta,” disse Connie; “mas você parece inteligente e eu tenho certeza que você vai ser capaz de aprender as coisas. Ela não precisa pensar que ela vai ter tudo a seu modo esse semestre, porque...”
“Calma, ela está aqui!” Hazel disse, rapidamente, quando a porta se abriu, e Marian entrou, carregando seu estojo de música, seguida pouco depois por Gwennie e Jessie Ellis.
“O que devemos jogar esta noite?” perguntou Connie, que tinha ficado um pouco corada. “Eu não acho que ela ouviu,” sussurrou para Hazel.
“Forma-palavras”, disse Marian decisiva. “Aqui está a caixa”.
“Oh não!” exclamaram Nina e Hazel, “Esse é um jogo estúpido. Nós não gostamos nada disso”.
“Sim, vocês gostam. Não sejam bobas. Venham comigo”.
“Eu voto para telegramas”, sugeriu Linda.
“Não!” exclamou Marian.
“Sim!” gritaram as outras em tal maioria esmagadora que Marian teve de ceder, embora ela ficasse insatisfeita com isso.
Lápis e pedaços de papel foram coletadas, as oito meninas se sentaram em volta da mesa e cada uma começou a trabalhar para inventar um telegrama cujas palavras deveriam começar com doze letras lidas aleatoriamente, na ordem em que eram dadas. As letras foram: A, M, C, D, C, M, V, I, V, E, T, B. Elas acharam um desafio intrigante de se encaixar, mas depois de muitas mordiscadas nos lápis, e torcer de sobrancelhas, todas conseguiram escrever algo. Marian se ofereceu para ler.
O primeiro acabou sendo o de Sylvia. Ela tinha escrito: “Avise mãe Charley doente cozinheiro morto venha imediatamente vou explicar tudo Bertha”.
“Não é ruim”, disse Marian condescendente, “mas você não sabe como soletrar Charley. Você escreveu C-h-a-r-l-e-y”.
“Esse é o jeito certo” disse Sylvia.
“Na verdade não é, ele é C-h-a-r-l-i-e. Porque até mesmo Jessie Ellis sabe disso”.
“Eu já vi C-h-a-r-l-e-y em um livro”, objetou Sylvia, pronta a lutar suas próprias batalhas.
“Então deve ter sido um erro de impressão”.
“Eu acredito que você pode escrever das duas maneiras”, disse Hazel, “assim como Lily ou Lillie".
“Então é antiquado e meu jeito é o melhor”, declarou Marian, que gostava de discutir.
“Oh, deixa para lá e não se preocupem!” exclamou Linda. “Queremos ouvir os outros telegramas. Que importa a forma como escrevê-los?”
Às sete e meia, uma bandeja com copos de leite e pratos de pão com manteiga e biscoitos foi levada para o quarto e quando o jantar estava terminado, Mercy Ingledew, a monitora passou para verificar que todas estavam em seus quartos, para ajuda-las a trançar o cabelo e supervisionar a devida escovação dos dentes e a arrumação de roupas.
Desde o início tudo parecia tão novo, estranho e excitante que Sylvia ainda não tinha encontrado tempo para as lágrimas que ela tinha toda a intenção de lançar e foi só quando ela estava na cama e a luz foi apagada que ela se lembrou, de repente, das saudades de casa que sentia. Mesmo assim, os acontecimentos daquele dia misturavam-se com os seus arrependimentos e ao enxugar o rosto com um lenço de bolso pensou: “É muito mais interessante do que eu esperava. Eu gosto de Linda, mas Marian Woodhouse não precisa pensar que ela vai me ensinar alguma coisa. Atrevo-me a dizer que eu posso aprender lições, assim como ela faz. Seria lindo se eu pudesse ser a primeira da classe. Vou tentar e tentar tão fortemente quanto eu puder e então eu poderei escrever à Mamãe e dizer a ela que eu era superior".
E com esta resolução meritória ela adormeceu.

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segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

A Terceira Turma da Senhorita Kaye, por Angela Brazil: Capítulo II

UMA DECISÃO IMPORTANTE

“Gordon”, disse a senhora Lindsay ao marido na noite seguinte, quando ele estava desfrutando de sua xícara de café depois do jantar na sala de visitas. Ela julgou que aquele era o momento adequado para discutir problemas complicados: “Eu não estou nada feliz com Sylvia".
O Senhor Lindsay fez uma pausa para pegar um cubo extra de açúcar e para se servir de um pouco mais de creme.
“Por que, o que está errado com a criança?”, perguntou ele. “Eu pensei que ela estava muito bem hoje.”
“Ela parece muito bem”, respondeu a Senhora Lindsay; “mas eu não me sinto satisfeita, tudo a mesma coisa".
“Tente outro fortificante”, sugeriu o marido, esticando-se preguiçosamente na cadeira enquanto ele falava.
“Outro fortificante seria absolutamente inútil.”
“Então é melhor você leva-a ao Doutor Ferguson amanhã para um exame; é bom prevenir.”
“Não é um caso para o Doutor Ferguson, ainda que tenha me angustiado por alguns meses. Louisa estava aqui ontem e ela percebeu isso também e falou-me seriamente sobre isso.”
“Realmente, Blanche, você deixou preocupado agora! Qual é o problema com Sylvia? Se o Dr. Ferguson não pode fazer nada, devemos então levá-la a um especialista.”
“Não é o corpo dela, Gordon, que é sua mente. Ela é uma graça, mas ela está crescendo de modo tão antiquado e calmo, ela é mais como uma velhinha do que uma menina de quase onze anos. Louisa diz que não é saudável.”
“Eu gostaria que Louisa cuidasse de sua própria vida”, disse Lindsay, franzindo a testa; “Eu não consigo ver nada de errado com Sylvia. Acho que os seus modos antiquados são particularmente encantadores".
“No entanto, eles não são naturais na idade dela. Ela está vivendo em um mundo de sonhos e de faz de conta. Livros são uma coisa boa, mas não é bom para ela estar completamente enterrada neles”.
“Ela tem uma imaginação forte”, respondeu o Senhor Lindsay, “uma coisa que Louisa nunca pode apreciar. Ela herdou de mim e eu simpatizo completamente com sua pequena mania de imaginar as coisas”.
“Sim, quando imaginar não toma o lugar da vida real. Sylvia tem sido uma criança tão solitária, tão acostumada a brincar sozinha e a fazer suas próprias diversões, que ela quase perdeu o desejo de ter amigos da idade dela”.
“Eu pensei que ela tinha muito amigos. Eu não te conheci alguns deles indo embora ontem, quando voltei para casa?”
“Sim, mas ela não gosta de tê-los aqui. É muito difícil acreditar, Gordon, que a nossa querida é egoísta”.
“Isso ela certamente não é!” declarou o Senhor Lindsay enfaticamente.
“Não é com a gente, mas ela não gosta de ter seus pequenos planos perturbados por outras crianças. Ela não aceita desistir de seu próprio caminho. Fui obrigada a repreendê-la ontem por ficar lendo um livro, em vez de se divertir com suas visitas".
“Ela fica absorta em seus livros”.
“É demais. Ela precisa de mais movimento. Ela é como um pequeno rato, tão gentil, ela sempre prefere jogos tranquilos quando brinca. Não é saudável para uma criança viver continuamente apenas com adultos. Temos pensado tão seriamente sobre a sua educação e ela tem sido ensinada com tanto cuidado, que eu realmente acredito que nós demos a ela uma espécie de indigestão mental".
O Senhor Lindsay riu.
“Ela é muito inteligente para sua idade”, disse ele. “Ela pode falar sobre botânica e antiguidades tão bem, ou melhor, do que muitas pessoas mais velhas. Prefiro ter Sylvia como companhia a metade das pessoas que eu conheço”.
“Mas ela não pode se tornar pedante e eu temo que ela esteja em risco de se tornar se não tomarmos o assunto em nossas de uma vez. Interesses intelectuais são encantadores e nós queremos que ela os tenha, mas eles não podem ocupar o lugar de tênis ou de tacobol [1] aos onze anos de idade. Ela é muito magra, pálida e de aparência frágil. Louisa diz que estamos a desenvolver sua mente, em detrimento de seu corpo”.
O Senhor Lindsay gemeu e enrugou a testa em linhas e pregas.
“O que Louisa propõe que façamos então?” ele perguntou. “Não duvido que ela tenha algum plano para sugerir”.
“Ela acha que Sylvia deve ser enviada para a escola”.
“Depois, haverá tempo de sobra para falar sobre isso antes do Natal”.
“Não é no Natal. Agora. O semestre de Setembro está apenas começando e não é de todo muito tarde”.
“Ufa! Mas e a Senhorita Holt? Nós não poderíamos despachá-la de repente”.
“A esposa de seu irmão morreu durante as férias de verão, e ela ficaria muito feliz em manter a casa para ele em Derby Shire e em cuidar de seus filhos agora órfãos. Acredito que ela não queria voltar aqui, apenas que ela não gostaria de descumprir o combinado. Nós não precisamos levá-la em consideração”.
“Então você realmente propõe enviar Sylvia embora já?”
“Tenho certeza de que seria o melhor”.
“Mas para onde?”
“Louisa conhece uma boa escola; Senhorita Kaye em Aberglyn, onde Bertha Harding foi educada. Parece satisfatória em todos os sentidos e o ar da montanha galesa seria bom para Sylvia; ela ficou tão bem depois que passamos quinze dias em Llandudno”.
“Eu gostaria de saber um pouco mais a respeito dessa escola. Sylvia é uma criança tão incomum e seria uma infelicidade se ela fosse colocada em um grupo de meninas antipáticos e um conjunto de professores que não a compreendem”.
“Senhorita Kaye é uma mulher inteligente. Acho que seu sistema parece excelente”.
“Eu não quero que Sylvia se transforme em uma espécie de dicionário ambulante, com a mente repleta de Grego, Latim e de Euclides, não sobrando espaço para uma ideia original”.
“Ela não vai ficar assim lá. As meninas levam uma vida muito racional, saudável, com bastante tempo para jogos e exercícios ao ar livre”.
“Nem eu quero que sua conversa seja sobre nada além de golfe e hóquei, como alguns dos jovens que conheço, os quais eu raramente consigo admirar”.
“Gordon, como você é perverso! Louisa vai falar com você pessoalmente e dizer-lhe tudo sobre a escola que você, porventura, queira saber. Ela virá amanhã, quando poderemos discutir a questão a fundo. Entretanto, devemos tomar cuidado para que Sylvia não desconfie de nada”.
Se a nossa pequena heroína tivesse tomado conhecimento das conversas que estavam ocorrendo sobre o seu futuro, ela sem dúvida teria agido de forma muito diferente no dia seguinte; mas como ela desconhecia completamente que mudanças estavam em curso, ela agiu naturalmente da sua maneira habitual, enquanto seu pai, que a estava observando a partir de um novo ponto de vista, notou um bom número de coisas que nunca percebera anteriormente. Em primeiro lugar, ela era delicada no café da manhã; recusou seu ovo, pois não estava cozido o suficiente, deixou sua torrada quando ela descobriu que a crosta fora queimada e serviu-se de uma enorme porção de marmelada, que ela não terminou. Ela argumentou veementemente com a Senhorita Holt sobre alguma questão insignificante e até mesmo tomou a liberdade de corrigir sua mãe. Ela nunca passou nada na mesa sem que fosse solicitado, deu um pulo e começou a ler um livro antes que os outros tivessem acabado e fingiu não ouvir quando lhe foi pedido para tocar o sino. Mais ainda, a mãe teve que dizer-lhe, por duas vezes, que eram já nove horas antes que ela subisse para a sala de estudos.
“É certamente tempo de manda-la para a escola”, pensou o Senhor Lindsay. “Eu receio que, com a melhor das intenções, nós a estragamos completamente. Louisa está certa. Ela precisa estar entre outras meninas, ter suas arrestas aparadas. Na escola não há nenhuma provisão feita para modismos e fantasias e ela seria obrigada a seguir os regulamentos. Vai ser bom para ela ter um pouco menos importância do que ela tem em casa. Estranho que eu nunca percebi isso antes!”
Quando Tia Louisa chegou, à noite, preparada para encontrar um grande número de objeções à sua sugestão, ela ficou surpresa ao descobrir que seu irmão tenha concordado com ela tão facilmente e, depois de ouvir seus relatos detalhados sobre os excelentes arranjos da Senhorita Kaye, consentira muito facilmente que Sylvia fosse enviada para lá assim que os preparativos necessários fossem resolvidos e que sua roupa fosse considerada em ordem.
“Uma semana será tempo suficiente para isso”, disse Tia Louisa.
“Senhorita Saunders costurará rapidamente um vestido apropriado para a escola e você pode enviar outras coisas que ela precise mais tarde, Blanche. Seria uma pena ela perder mais do semestre. Ela não vai gostar de ficar atrasada nas aulas e agora que vocês se decidiram vai ser melhor não deixar que ela tenha muito tempo para pensar sobre isso”.
“Eu não sei o que Sylvia vai dizer!” suspirou a Senhora Lindsay, que se arrependeu de deixar seu amorzinho partir. “Tenho medo que ela nunca nos perdoe por isso”.
“Eu não perguntaria a ela”, respondeu Tia Louisa com firmeza. “Ela vai gostar muito quando chegar lá e a melhoria que isso vai fazer na vida dela vale algumas lágrimas no início. Eu peço, Blanche, que você não seja tola agora e atrapalhe o caminho do verdadeiro bem da criança”.
“Eu vou tentar não falar nada”, disse a pobre Senhora Lindsay, enxugando os olhos; “Mas quando você tem apenas uma filha e ela nunca esteve longe de você antes, parece tão difícil deixá-la ir”.
“Oh, você vai superar isso! Eu senti a mesma coisa quando Cuthbert foi para a escola. Estou muito mais acostumada com isso agora. Nós não podemos manter nossas crianças sempre ligadas às nossas saias”.
“Acho que não, mas os meninos são diferentes das meninas e Sylvia tem sido um animal de estimação. Se ela não ficar feliz na Mansão Heathercliffe ela simplesmente vai adoecer com tanta lamúria, que a cura vai ser pior do que a doença”.
“Eu tenho certeza que ela não vai fazê-lo. Ela vai ficar muito interessada em seu trabalho e suas novas companheiras, que assim que os primeiros dias de saudades passem, ela vai se acalmar e gostar imensamente de sua nova vida”.
“Você realmente acha isso?” disse a Senhora Lindsay. “Bem, a decisão está tomada e acho que devemos manter a isso agora, mas eu estou temendo o momento em que terei de dar a notícia a ela”.
Para Sylvia o anúncio veio como um grande choque. Ela estava totalmente despreparada para isso e a ideia de uma mudança tão repentina não foi nada bem-vinda. Quando ela compreendeu totalmente que em uma curta semana ela seria banida para um lugar estranho, entre pessoas que nunca tinha visto, ela se agarrou a sua mãe em uma grande paixão de lágrimas que se não tivesse sido pelo pensamento a respeito do que a Tia Louisa diria a Senhora Lindsay teria desistido e implorado ao marido para manter a criança em casa. Ela fez o possível para acalmá-la e para pintar o futuro em cores tão brilhantes quanto sua fantasia poderia descrever.
“Eu nunca vou ser feliz de novo, nunca mais!” soluçou Sylvia. “Eu vou ser tão miserável como Evelyn em A Pequena Herdeira ou Rosalie em O Primo Órfão. Ambos seguiram de coração partido até o último capítulo e assim será comigo”.
“Bobagem, querida, você deve tentar ser corajosa! A Mansão Heathercliffe é uma escola charmosa e tenho certeza que você vai ser feliz lá. Você encontrará tantas meninas agradáveis da sua idade que estarão interessadas em fazer amizade com você. Haverá muita diversão, além das lições. Eu quero que você tenha mais alguns amigos”.
“Eu tenho Effie e May”.
“Elas são mais novas que você. Você pode ficar melhor com meninas mais velhas, creio eu. Vai ser uma coisa nova pertencer a uma classe. Tenho certeza que você vai gostar da Senhorita Kaye”.
“Se ela for como a diretora de Sara Crewe, eu vou odiá-la”, declarou Sylvia.
“Mas ela não é. Ela é muito gentil e não é nada empertigada. Ela leva as meninas para agradáveis passeios no campo e, às vezes, eles vão para a praia. Você gosta tanto do litoral, não gosta?”
“Sim”, disse Sylvia, em dúvida, “nas férias e você e Papai estão lá. Vou ter que fingir que sou um fora da lei ou um refém, como Richard em O Pequeno Duque e que os meus súditos são ocupados lutando para manter meu reino enquanto estou fora”.
“Imagine o que quiser minha querida, mas eu não acho que você precisa fingir nada para se divertir em Aberglyn. Você vai encontrar alguns livros novos lá, de qualquer forma: há uma grande biblioteca na escola”.
“Eu gostaria disso. Mas oh, Mãe, eu vou passar meu aniversário na escola!”
“Eu sinto muito por isso, mas podemos enviar-lhe os seus presentes e você terá sua festa quando você chegar em casa. Agora, seja a minha menina corajosa e se anime. Eu quero começar a decidir as coisas que você vai levar com você e o que deve ser deixado para trás”.
Tanta coisa tinha que acontecer durante a breve última semana de Sylvia em casa, que de manhã até a noite, os dias pareciam completamente cheios. Suas aulas habituais com sua governanta foram dadas e da sala de estudos virou por um tempo em um tipo estúdio de costura. Senhorita Saunders, a costureira, instalou-se na mesa com sua máquina de costura, trabalhando em um vestido da escola e um novo casaco de outono, enquanto sua mãe e Senhorita Holt terminavam, apressadamente, as roupas íntimas de inverno.
“Não sabemos quando o tempo pode ficar frio”, disse a Senhora Lindsay, “e é melhor enviar tudo de uma só vez, se pudermos, apesar de que acho que as camisolas grossas terão que seguir depois”.
Sylvia achava tudo muito emocionante e se não fosse o pensamento de despedida de seu pai e mãe, ela teria muito gostado de ser uma pessoa de tão grande importância. Foi decididamente gratificante ter a Tia Louisa chegando todos os dias para consultar sobre suas roupas e ajudar na escolha de seu novo chapéu; ela nunca tinha dado tanta atenção a sua pequena sobrinha antes, exceto, ocasionalmente, para expressar a desaprovação, e Sylvia sentiu que finalmente sua tia estava lhe dando a contrapartida devida. Também as expedições comerciais foram muito divertidas; parecia bom comprar metros de fita de cabelo de cada vez e vários pares de botas e de luvas, assim como uma dúzia de lenços de bolso, capa de chuva e um par de galochas. Senhorita Holt foi mantida ocupada marcando suas novas posses, costurando fitas em meias e alongando as anáguas de inverno.
Ela tinha um grande número de presentes dados a ela para levar para a escola. Tia Louisa surpreendeu um dia com um lindo estojo em couro russo verde, equipado no interior com papel de carta, envelopes, cartões postais e tudo o que seria de provável necessidade para escrever suas cartas para casa, incluindo uma caneta com cabo de marfim e seis pontas douradas. Havia uma chave que trancava e destrancava o estojo e suas iniciais foram carimbadas em letras douradas na aba superior. Dizer que ela ficou satisfeita dificilmente expressaria sua satisfação. Tio George enviou-lhe uma caixa de pintura - não do tipo ordinário que as crianças têm e que ela já tinha tido antes, mas sim um caixa com panelas de porcelana de boas cores e pincéis de zibelina, com as mais delicadas cerdas, adequadas para pintar detalhes que seus antigos pincéis de pelo de camelo certamente teriam borrado. Sua mãe deu-lhe uma nova e muito bela Bíblia, encadernada em marroquim roxo-escuro, com muitas ilustrações de cenas orientais e mapas e um índice remissivo no final.
“Você deve ler um pedacinho a cada dia, querida, como você faz em casa, embora eu não esteja lá para explicar isso para você. Senhorita Holt fez para você este marcador para você saber onde parou e eu coloquei um raminho de lavanda em nosso capítulo favorito”.
O pai tinha comprado um livro de oração e hinário em uma bolsa para levar à igreja aos domingos e acrescentou um pequeno saco para ela deixar o dinheiro de contribuição. Primo Cuthbert enviou uma caixa de madeira de cedro contendo um canivete de cabo azul, vários novos lápis de grafite, uma borracha da Índia e uma mata-borrão; a cozinheira fez para ela uma caixa de caramelos e a empregada fez em croché um organizador de toalete para ela pendurar em sua penteadeira. Um grande baú chegou e ficou no quarto de hóspedes pronto para ser embalado. Com tantos pacotes sendo entregues por várias lojas, era com grande entusiasmo que se levava cada um ao andar de cima para abri-lo na sala de estudos.
“Espero que a Senhorita Kaye ache você tão bem como as outras garotas de sua idade”, disse a Senhorita Holt ansiosamente, enquanto separava alguns livros e algumas peças de música para Sylvia levar com ela. “Lembre-se que ‘aller’ é um verbo irregular! Não me envergonhe começando com ‘j'alle, tu alles, il alle’, como você fez na semana passada. Eu gostaria que você revisse as datas dos reis e rainhas da Inglaterra antes de ir e também os pesos e medidas. Receio que você não esteja muito firme em alguns deles, especialmente na quadrada e na cúbica. Acho que você é muito boa em ortografia, mas eu tenho certeza que eles vão dizer que você escreve mal para sua idade; você não segura a caneta corretamente e você faz tantas manchas. Espero que não lhe perguntem sobre para a geografia da Europa, pois mal sabe sobre a Inglaterra e seus contornos físicos; e quando você toca a segunda sonatina de Clementi, não se esqueça de que você sempre conta na hora errada no quarto compasso. Eu já lhe falei sobre isso tantas vezes”.
“Tudo bem, Senhorita Holt!” Sylvia respondeu: “Eu vou fazer o meu melhor, mas eu desejo esquecer o velho Clementi. Odeio sonatinas. Espero que minha nova professora me dê algumas peças novas e que não se preocupe com o metrônomo. Eu acho é o que me faz contar errado. Vou dizer a ela que não é culpa sua. Vai ensinar seus sobrinhos e sobrinhas em Derby Shire"?
“Não, eles frequentam uma escola, exceto o bebê, que é muito jovem para as aulas. Terei muito que fazer em cuidar deles e da casa. Espero que você seja feliz, Sylvia, em sua nova vida. Tentei ensinar-lhe o básico e quaisquer futuros professores deveriam encontrá-la bastante bem informada sobre a maioria dos assuntos”.
Havia muito pouco tempo até mesmo para as instruções finais que a Senhorita Holt considerava necessárias; os dias parecia literalmente voar e o último dia só veio cedo demais para todos os interessados​​. Effie e May ligaram para dizer adeus, muito tristes com separação de sua companheira de brincadeiras e impressionadas com os preparativos, que Sylvia secretamente lhes mostrou com muito orgulhosos.
“Você vai ser grande demais para brincar com a gente quando você voltar”, disse Effie melancolicamente.

“Não, eu não”, respondeu Sylvia, beijando-a de uma forma bastante superior e paternalista. “Eu vou gostar de vê-la na minha festa de Natal, mas talvez eu me importe em brincar da mesma maneira, porque, veja bem, quando eu voltar, terei já onze anos de idade e serei uma das meninas da Senhorita Kaye na Mansão Heathercliffe”.

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sexta-feira, 28 de novembro de 2014

A Terceira Turma da Senhorita Kaye, por Angela Brazil: Capítulo I

UMA FESTA EM DIA CHUVOSO

Gotas, Gotas e mais gotas! A chuva caia em uma trade de setembro, transformando o gramado da quadra de tênis em um pântano, despetalando as rosas, estragando os gerânios e fazendo com que melros e tordos se apressassem para procurar abrigo no interior da casa de verão.

Era uma chuva firme que parecia não ter mais fim; não restava uma porção sequer do céu azul; grandes caracóis negros rastejavam ao longo do passeio do jardim como que apreciando o banho; e o barômetro no salão, que começou o dia no “Estável”, já indicava “Alteração” e não mostrava sinais de que subiria novamente.

Acomodada em uma grande poltrona colocada próxima a uma janela na bem mobiliada sala da frente, uma menina de cerca de onze anos de idade sentava-se espiando ansiosamente para o clima.
“Está tudo molhado!” ela comentou alegremente. “Parece que o dia não vai clarear e que já são quatro horas agora. Eles não podem vir, por isso vou apenas me acalmar e me divertir.”

Ela falou em voz alta para si mesma, um hábito muitas vezes cultivado por crianças solitárias e, abrindo uma cópia do Ivanhoé, ajeitou-se em uma atitude de ainda mais conforto e começou a se preparar para ler com o desprezo aos acontecimentos exteriores que marca o verdadeiro amante de livros. Ela era sim uma criança bonita; suas feições eram boas embora o pequeno rosto fosse pálido e magro; seu cabelo era macio e ela tinha grandes olhos castanhos-cinza que pareciam tão sonhadores às vezes que se podia imaginar que ela fosse capaz de esquecer os arredores banais da vida quotidiana e viver em um mundo de faz-de-conta. Esquecendo a chuva lá fora e considerando a cena aconchegante lá dentro, Sylvia lia atentamente sua história que nem percebeu quando a porta se abriu e sua mãe entrou na sala.

“Ora, aqui está você, querida Eu pensei que a encontraria no escritório do seu pai. Sinto muito, o dia está horrível para a sua festa.”
Sylvia pousou o livro com um estrondo e arrastando a mãe para a grande poltrona, instalou-se em seu joelho e armou um abraço um tanto asfixiante.

“Oh, Mãe querida, eu estou tão feliz!”, declarou ela. “Eu não queria uma festa e eu fiquei olhando a chuva o tempo todo e torcendo para que continuasse a cair.”
“Sylvia! Achei que você estaria terrivelmente desapontada. Você não quer ver seus amiguinhos?”
“Não muito.”
“Mas por que não, meu amor?”
Sylvia apertou a mão de sua mãe e suspirou, como se ela achasse um pouco difícil de se explicar.
“Muitas razões”, disse ela brevemente.
“Diga-me quais são.”
“Por que, por um lado, eu só li até o meio do Ivanhoé, onde Rowena é trancafiada no castelo do Reginaldo Testa-de-boi e eu quero ver como ela escapa. Prefiro ficar e ler a ir correndo pelo jardim jogando ‘Eu espiono!’”
“Mas eu pensei que você gostasse de Effie e May e dos meninos Ferguson.”
“Eu odeio meninos!” declarou Sylvia drasticamente. “Não o primo Cuthbert e do Ronald Hampson, mas sim os meninos como os meninos Ferguson. Eles não fazem nada mais que chorar e pregar peças nos outros. Eles são perfeitamente odiosos! Eu não gostei da minha última festa. Eles me provocam cada vez que os encontro”.
“Como assim?”
“Eles me chamam de ‘A Musa Trágica’, porque um dia eles pegaram uma das minhas poesias. Eles zoaram muito com isso. E nem era um poema trágico. Era sobre o bebê dos Waltons” e seus olhos azuis e seus cachos e ondulações. Eu escrevi ‘covinhas’, e eles liam ‘espinhas’! Eu não acredito que eles saibam o que significa trágico ou uma musa. Eu sei por que aprendi na história grega, no mês passado. Senhora Walton gostou da poesia. Ela disse que eu preciso copiá-lo em seu álbum e assinar o meu nome. Ela acha que eu posso ser uma poetisa quando crescer, e ela também acha é isso que me mantem tão magra e que ela a convenceu a me dar de óleo de fígado de bacalhau, porque ela tinha certeza que iria me fazer bem. Você não vai me dar isso, vai? Eu experimentei uma vez na casa da Tia Louisa e foi a coisa mais repugnante que já bebi".

“Eu não acho que você precise de mais remédios agora, por isso vamos poupá-la do óleo de fígado de bacalhau”, disse a Senhora Lindsay, sorrindo. “Talvez Roy e Donald já tenham esquecido o poema hoje à tarde.”
“Não, eles não esquecem. Eles nunca se esquecem de nada se for para provocar. Eu preferia que eles não viessem. Eu não quero que os Waltons venham também, ou os Carson. Está tão agradável e tranquilo aqui, a Senhorita Holt saiu e é um dia tão chuvoso que não haverá qualquer interrupção e eu posso tomar chá com você na sala de visitas e o Papai disse que talvez ele estivesse de volta do escritório por volta das cinco e meia. Ele prometeu que a próxima vez que visse para casa mais cedo ele iria ver meu museu e me ajudar a rotular todas as conchas e que isso seria muito melhor do que uma festa.”
“Eu pensei que você gostasse de brincar com outras crianças, querida”, disse a Senhora Lindsay.

“Eu não acho que eu gosto”, respondeu Sylvia. “É tão difícil fazê-los brincar corretamente. Eles nunca podem imaginar coisas. Quando eu digo aos Waltons que há uma bruxa no armário, olham para dentro e dizem que não há ninguém lá. Eles não conseguem entender que você pode fingir coisas até que elas pareçam bem reais e ainda assim é apenas imaginação. Quando eu disse a Beatrice e Nora Jackson que eu conheci um dragão que viveu em sua carvoaria, eles foram e contaram a sua governanta e ela disse que eu não era uma criança confiável!”
“Isso foi muito ruim!”
“Sim, não foi? Prefiro não ir tomar chá nos Jacksons. Senhora Jackson sempre diz que eu não como o suficiente. Beatrice e Nora recebem quatro fatias grossas de pão e manteiga antes de começar com geleia ou mel e grandes tigelas de pão com leite ou pratos de sopa de mingau no café da manhã. Acho que é um pouco rude de pessoas fazer comentários sobre o que você come, quando você toma chá com elas. Você não acha?”

“Depende”, disse a Senhora Lindsay.
“Bem, eles mesmos não gostam disso”, continuou Sylvia. “A última vez que os Jacksons estiveram aqui, quando sua babá veio buscá-los eu lhe disse que tinha certeza de que tinham se divertido, pois Nora tinha comido quatro pães e três bolos e Alfie tinha comido dez sanduíches de geleia e um pedaço de bolo Madeira. Pensei que ela ficaria feliz em ouvir eles comeram tanto, já que eles me censuram por comer tão pouco, mas ela ficou com a cara vermelha e disse que eles não eram crianças ávidas.”
“Não foi uma observação feliz, receio”, disse a Senhora Lindsay. “Você saberá se colocar melhor próxima vez.”

“As pessoas nos livros são muito melhores do que pessoas reais”, disse Sylvia melancolicamente. “Se eu pudesse fazer uma festa e convidar o pequeno Senhor Fauntleroy e Alice de Alice no País das Maravilhas, e Rose de Oito Primos e Rowena e Rebecca, e talvez a Rainha Guinevere, e Hereward, então eu realmente deveria me divertir.”

“Você não pode fingir que seus amigos sejam heróis e heroínas de romance?” disse a Senhora Lindsay, beliscando as bochechas pálidas de Sylvia. “Você gosta tanto de faz de conta que deveria ser muito fácil imaginá-los príncipes e princesas.”
“Não é tão fácil como você pensa”, respondeu Sylvia, sacudindo a cabeça.
“Eu crio lindas histórias sobre eles e eles só estragam tudo. Eu brinquei uma tarde inteira que Effie era uma princesa encantada, presa em um jardim mágico, mas ela continuou comendo maçãs verdes em vez de simplesmente se posicionar encantadoramente entre as flores, e quando eu coloquei uma coroa de rosas em seu cabelo, ela disse que tinha tesourinhas e aranhas na coroa e a tirou em seguida. Eu não me atrevi a dizer-lhe que eu estava brincando, porque ela ria de mim. Eu comecei um poema sobre ela, só que nunca foi além do primeiro verso. Tem esse menino que vive na casa de grades verdes ao longo de nossa rua. Eu não sei o nome dele, mas ele tem olhos azuis e cabelo encaracolado. Uma vez eu brinquei por uma semana inteira que ele era Sir Galahad - ele é exatamente como a imagem que Papai me mostrou no grande livro sobre a mesa da sala de visitas; mas quando eu havia me decidido que ele estava quase encontrando o Santo Graal, ele jogou uma bola de neve em mim e pisou forte na cauda de Lassie de propósito. Eu nunca consegui pensar nele como Sir Galahad depois disso. Ah, Mamãe, não ria!”
“Não consigo evitar”, disse a Senhora Lindsay, tentando endireitar seu rosto. “Eu receio que você tenha feito uma escolha infeliz para seu cavaleiro.”
“É tão ruim quanto," continuou Sylvia, "imaginar-se com um personagem de um livro. Tudo depende de outras pessoas. Eu era Rowena em Ivanhoé ontem. Tive que ser um pouco arrogante, porque, veja você, eu era uma princesa saxã e todo mundo estava acostumado a obedecer qualquer desejo meu. Mas a Senhorita Holt não entendeu nada; ela disse que se eu falasse com ela daquele jeito novamente ela me mandaria para fora do quarto. Então eu tive que ser Peter Pan em vez de Rowena e a Senhorita Holt me perguntou se eu estava passando mal. Ela ficou realmente muito zangada comigo".

“Eu não duvido. Não está certo misturar brincadeiras com seus estudos. Você sabe, não está chovendo tão forte agora e eu certamente ouvi um táxi chegando ao portão. Acredito que alguns de seus amigos estão chegando depois de tudo para tomar chá com você.”
“Por que, são eles então!” exclamou Sylvia, saltando para correr para a janela, que permitia uma visão da porta da frente e seus degraus. “Que aborrecimento! Eram Effie e May e elas trouxeram as pequenas Carsons consigo. Elas vão ter que brincar na sala de aula. Elas sempre querem brincar com minha velha casa de bonecas. Eu a coloquei no armário e agora eu que terei de mexer nela novamente. Isso é muito ruim! Talvez elas não peçam por ela se nós brincarmos no jardim Você não acha que eu poderia dizer que eu não posso encontra-lo?”
“Oh, não, querida! A casa de bonecas vai deixa-las felizes e você certamente deve deixá-las brincar com ela. Corra rapidamente e vá abrir a porta do corredor para recebê-los. É muito gentil da parte da Senhora Walton enviá-los, apesar da chuva.”
Sylvia foi, mas não muito rápido ou de muito bom grado. Ela não estava nada satisfeita ao ver seus convidados e preferia muito ter a tarde para si mesma.
“Eu nunca pensei que você viria”, ela começou, enquanto as crianças saltavam rapidamente da cabine e subiam correndo os degraus para a varanda.

“Nós estávamos tão terrivelmente decepcionados”, disse Effie. “Nós estivemos observando o tempo o dia todo. May quase chorou quando percebeu que o dia não ficaria claro tão cedo. Mamãe disse que seria tão decepcionante para você e ela pensou que poderíamos brincar dentro de casa. Ela telefonou para um táxi e ligamos para Bab e Daisy no nosso caminho e as trouxemos conosco.” Assim dizendo, ela levou as duas pequerruchas em questão, que estavam radiantes com sorrisos em seu passeio inesperado.
“Oh! Nossos sapatos!” chorou May; “Eu os deixei no táxi e o taxi está indo embora. Pare, pare!” E ela saiu correndo loucamente para a chuva.
O cocheiro percebeu o movimento e saindo do carro deu-lhe o pacote e se apressou em ir antes que a Senhora Lindsay acabasse de dizer boa tarde para as outras crianças.
“Nós estamos indo brincar com a casa de bonecas”, anunciou Daisy quando Sylvia pegou a mão dela para levá-la lá em cima.

“E todas as pequenas cadeiras e mesas”, acrescentou Bab, com dificuldades para se equilibrar em suas pernas gordas.
Sylvia nada disse. Ela estava irritada, pois a casa de bonecas tinha sido seu brinquedo favorito. Apesar de ela ser agora muito velha para brincar com ela, Sylvia gostava de manter seus tesouros intactos e temia que os pequenos dedos de Daisy e de Bab podiam ocasionar estragos nos delicados móveis em miniatura e serviço de chá de vidro.
Ela não tinha irmãos e irmãs para estragar suas coisas, ou interferir com qualquer um de seus planos ou brincadeiras, ninguém, de fato, a considerar, exceto seu importantíssimo ego, e ela estava tão acostumada a manter a sala de estudos como seu reino especial que ela ficava contrariada de se ver obrigada a partilhá-la até mesmo por uma única tarde. Ela ajudou, no entanto, a tirar os chapéus e casacos das Carson, a desabotoar as botas, a amarrar a fita de cabelo de Bab, que tinha de saído e a prender o avental de May, e depois escoltado seus visitantes indesejáveis de volta ao ​​térreo do modo mais gracioso que podia.
Não foi nada interessante tomar chá na sala de jantar com quatro crianças, pensou ela, enquanto estava sozinha na sala de visitas com sua mãe, um privilégio que, devido a muitos deveres sociais da Senhora Lindsay, Sylvia não costumava desfrutar, e desejou com todo seu coração que tanto a Senhora Walton quanto a empresa de taxis não tinham a chamado ao telefone.
Se Sylvia era uma anfitriã displicente, no entanto, seus pequenos amigos pareciam determinados a se divertir. Eles apreciaram o mel, os bolos de passas e o bolo gelado, e se encantaram especialmente com os biscoitos que a Senhora Lindsay trouxe na conclusão da refeição.
“Crackers, embora não seja Natal!” gritou Effie com espanto.
“Por que não?” disse a Senhora Lindsay. “Eles são tão divertidos agora, como em Dezembro, eu acho. Aqui estão dois para cada um de vocês e vocês podem levá-los para cima, para a sala de estudos.”
Houve uma debandada geral para as escadas, os quatro convidados competindo com grande entusiasmo, enquanto Sylvia seguiu vagarosamente atrás, debatendo em sua mente se seria possível perder a chave do armário, e, assim, preservar a casa de suas bonecas de mãos intrometidos.
“Os biscoitos vão mantê-los ocupados por um curto período de tempo”, ela afirmou, “e então eu posso apenas virar a chave na fechadura e esconder a casa por atrás da estante de livros. Vou dar-lhes os quebra-cabeças e uma caixa de blocos de madeira em vez da casa de bonecas”.

É fácil, no entanto, fazer planos, mas é uma coisa bem diferente realiza-los. As jovens Carsons sabiam perfeitamente onde a casa de bonecas estava guardada; elas correram na frente de Sylvia na sala de estudos e, lançando os seus biscoitos em uma cadeira, abriram o armário e foram pedindo-lhe para levanta-los para que pudessem pegar o brinquedo cobiçado muito antes que ela tivesse qualquer oportunidade de trancar a porta. Não havia nada que ela pudesse fazer, a não ser atender ao pedido, o que ela fez de modo muito contrariado.
Ela colocou a casa de bonecas no chão em um canto da sala e, depois de ter resgatado um ou dois dos ornamentos mais frágeis, deixou Bab e Daisy se divertir e voltou sua atenção para Effie e May.
Elas eram alegres, meninas confiantes de oito e nove anos, que gostavam de jogos barulhentos e movimentados muito mais do que se sentarem tranquilamente para ler livros. Elas tinham logo aberto seus biscoitos, retirando os assobios e medalhões que vinham neles e agora começaram a ansiosamente a perguntar o que fazer em seguida.
“Não podemos brincar de pega-pega no salão?” disse Effie.
“Terra de Tom Tiddler?” sugeriu May.

“Não há o suficiente de nós”, disse Sylvia. “Além disso, eu acho que Mamãe mão iria gostar. A última vez que brincamos lá, nós quebramos o jarro japonês e o Papai ficou muito bravo. Vocês não viram esses mapas de quebra-cabeças. Não seria divertido para tentar encaixá-los juntos?”
“Não, obrigado; lembra muito lição de casa”, disse May fazendo uma careta.
“Odiamos geografia”, acrescentou Effie.
“Gostaria de jogar Halma?”
“Não sei como jogar”, respondeu Effie.
“Eu poderia mostrar-lhe rapidamente.”
“Oh, nós não gostamos de aprender novos jogos!” May disse. “Queria que os Ferguson tivessem vindo.”
“Estou feliz que não vieram”, pensou Sylvia, que não estava de todo em um bom temperamento para entreter seus amigos. “Que um incômodo Effie e May são! Gostaria que elas descobrissem algo para fazer e que não me incomodassem. Que eu não quero mostrar-lhes o meu museu, mesmo que elas peçam. Devemos jogar bagatela?” acrescentou ela em voz alta. “Vocês sabem como jogar isso de alguma forma.”
“Oh, sim!” disseram as meninas, ajudando-a a levantar a placa grande e desdobrá-la em cima da mesa. “É sempre tão divertido! Você não se lembra da última vez que fizemos pontuações maiores do que você fez?”
“Eu esqueci”, respondeu Sylvia. “Mas eu acho que é um jogo melhor para dois do que para três jogadores, você joga mais vezes.”
“Você não vai jogar, então?” exclamou Effie.
“Não, eu só iria atrapalhar vocês. Além disso, eu tenho que cuidar de Bab e Daisy. Vocês começam e eu vou entrar e marcar a pontuação de vocês.”

As pequenas Carsons estavam felizes ocupadas com casa de bonecas que não havia a menor necessidade de Sylvia negligenciar suas outras visitantes por causa das pequenas. Tornando-as a desculpa, no entanto, ela permitiu Effie e May se empolgarem com o jogo para, em seguida, arrastar-se calmamente para fora da sala. Ela fugiu escada abaixo para o a sala da frente, onde ela havia deixado Ivanhoé na grande poltrona e, retornando com ele para a sala de estudos, ela sentou-se no assento à janela, e logo seguindo absorta no assalto ao Castelo Torquilstone que ela esqueceu a própria existência de suas amigas. Agora, como obra do destino, a chuva cessou suficientemente para que Tia Louisa viesse perto das cinco horas, atendendo a um apelo da Senhora Lindsay. Se ela não tivesse chegado naquele dia em particular e naquela hora em particular, é bastante provável que os eventos registrados nesta história poderiam nunca ter acontecido. Sylvia não tinha certeza se ela, de fato, gostava da Tia Louise, que, apesar de ser educada e liberal em matéria de presentes de aniversário e de Natal, tinha uma capacidade de observar diretamente quando as pessoas eram egoístas, ou vaidosas, ou quando tentavam se mostrar, percebendo rapidamente desculpas e farsas. Ela considerou Sylvia mimada e não hesitou em dizê-lo; mas, por outro lado, ela se mostrou tão bem-humorada quando sua sobrinha passou um dia no Laurel Bank e tratou-a como tal, uma pessoa quase adulta, sensata. Sylvia invariavelmente se divertiu e ansiava por ir novamente.

Era cerca de cinco e meia quando a Senhora Lindsay e Tia Louisa, tendo terminado o seu bate-papo na sala de visitas, subiram as escadas para dar uma espiada na sala de estudos e ver como as crianças estavam indo. Elas descobriram Bab e Daisy sentadas no chão, muito ocupadas em dar aos bebês da casa de bonecas seus banhos noturnos, enquanto Effie e May estavam jogando bagatela com uma boa dose de ruído e gritos.

“E onde está Sylvia?” perguntou Tia Louise, olhando em volta com alguma surpresa para encontrar a anfitriã ausente.

“Ela está lá”, disse Effie, apontando para o assento da janela. “Ela não se importa com o jogo. Vá em frente, May, é a sua vez.”
Senhora Lindsay caminhou até a janela e, afastando as cortinas, encontrou Sylvia, de cócoras sobre os calcanhares, como um turco, no canto do assento, inteiramente ocupado com as aventuras do cavaleiro negro e seus companheiros fora da lei. A mãe tirou o livro de sua mão.

“Sylvia!”, exclamou ela. “Você não sabe que é extremamente rude da sua parte se sentar para ler e deixar seus convidados se divertirem sozinhos? Levante-se neste minuto!”
Sylvia obedeceu com um rosto muito vermelho. Ela nunca esperava ser pega assim.

“Eles estavam muito felizes sem...” ela começou, mas os olhos da Tia Louisa indicavam ser mais sábio deixar a frase inacabada.

“Tenho certeza que elas iriam desfrutar de algum jogo que vocês poderiam jogar todos juntos”, disse a Senhora Lindsay. “Se empurrar a mesa de lado, haverá muito espaço para Cabra-cega.”

“Oh! Sim! Sim!” gritaram as pequenas Carsons, agrupando as bonecas de volta para a casa de bonecas e dançando para cima e para baixo com entusiasmo, enquanto Effie e May, igualmente satisfeitas, ajudaram Sylvia para colocar o Bagatela de lado.

“Bab vai ser cega”, implorou Daisy.

“Rodem-me três vezes”, acrescentou Bab, encantado, já começando a girar em antecipação.

Senhora Lindsay e Tia Louisa tiveram a amabilidade de se juntarem ao jogo e de instituir vários outros depois, de modo que durante uma hora, as crianças tinham uma brincadeira mais agradável, que continuou até a babá Carson chegou para levar Bab e Daisy para casa. Mesmo Sylvia correu quando descobriu que as mais velhas faziam o mesmo e ficou corada pelo esforço que sua mãe olhou para suas bochechas rosadas com aprovação.

“Adeus!” disse aos quatro pequenos visitantes, quando, finalmente, chapéus, casacos e botas tinham sido colocados e todos eles correram antes de uma nuvem ameaçadora derrubasse a chuva novamente.

“Eles parecem ter tido um tempo maravilhoso, e se divertiram muito, senhora”, disse a babá, recolhendo os sapatos e tomando a mão de Daisy.

“Será que você gostou Sylvia querida?” perguntou a Senhora Lindsay, enquanto estavam na varanda observando as pernas roliças de Bab bamboleando ao longo do passeio em um esforço para manter o ritmo com passos mais largos de Effie.

“Não”, respondeu Sylvia, “não tanto como tomar chá com você".
“Por que você não liga para seus amigos, querida?”
“Porque eu gosto mais de estar com você e Papai. Esse é o motivo. Qualquer outra coisa é um incômodo!”

Senhora Lindsay alisou o cabelo macio de Sylvia. Ajeitou uma mecha desorientada após um jogo hilariante de Raposa e Ganso e abaixou-se para beijar o rostinho que se transformou tão prontamente para receber o carinho. 

“Meu precioso animal de estimação!” murmurou a mãe com carinho.

Mas a Tia Louisa abanou a cabeça.

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